A patológica crise que adoeceu o Brasil está a extinguir de uma vez por todas vários paradigmas. O primeiro: Dilma não foi um governo honesto que caiu por um golpe. As delações estão aí para mostrar que, ainda que o Congresso estivesse todo ao seu lado, seu governo, se ainda existisse, não teria condição moral alguma.
O segundo: a Lula cabe qualquer papel nesta novela, menos o de vítima de uma elite preconceituosa. As delações, inclusive a da JBS que arrasa Temer e o PSDB, também estão aí para mostrar que, dentro e fora do governo, o ex-presidente soube conviver e se aproveitar muito bem da tal burguesia.
Isso está muito evidente, em que pese haver no País um contingente expressivo que simplesmente fecha os olhos para esta verdade solar. Eis aí o problema.
A cegueira psicológica, estabelecida neste segmento é capaz de fazer com que muitos, inclusive intelectuais, levantem as vozes para ardorosamente combater a corrupção de Michel Temer, mas finjam, ignorem ou simplesmente acreditem que Lula está isento da bandalheira.
E o vejam como alternativa pelo frágil argumento de que sob seu governo o Brasil avançou nas políticas sociais, retirando milhões da pobreza, ou teve sucesso na economia, aumentando crédito e o poder de compra.
Como se algum mérito governamental pudesse blindar, minimizar ou imunizar qualquer agente público de crimes e malfeitos. Uma derivação de um novo malufismo.
Lula foi importante, tem seus méritos, mas seu discurso está superado, nestes tempos em que se descobre que enquanto se avançava com o Bolsa Família, se retroagia comprando votos, apoios e eleição, às custas de generosidades para empresários em troca de propinas.
O mantra lulista está velho. O Brasil que já come carne, financia carros e imóveis e acessa a universidade quer ir além. Esse é um desafio para a esquerda.
Convencer a si mesmo que tem em seus quadros nomes ilibados, jovens e antenados com as novas demandas do Brasil e que é capaz de construir alternativas olhando para frente, ao invés de se deixar refém de um passado em processo de putrefação.
Se a esquerda concluir que a única saída que pode oferecer ao Brasil é colocar o peso de Lula nas costas, estará admitindo seu colapso, vazio e mediocridade. Quando até a chamada direita, com todo o seu dito conservadorismo, tem feito a autocrítica de admitir o fim de Temer e a expurgação de um Aécio Neves.
O cenário é conturbado, confuso e nebuloso, mas é preciso um lampejo de serenidade, uma dose de realidade e, quem sabe, beber na fonte da constatação profética de Belchior: “E o que há algum tempo era jovem novo/Hoje é antigo, e precisamos todos rejuvenescer”.
Não dá para gritar Fora Temer com uma bandeira de Volta Lula. É, no mínimo, incoerente com a história e com tudo que está aí. Às vistas de todos quantos queiram ver.