A chuva que nunca acaba – Heron Cid
Crônicas

A chuva que nunca acaba

14 de novembro de 2021 às 11h25

MARIZÓPOLIS (PB) – Por onde estive, por onde tiver que ainda andar, a sensação, significado e a lembrança da chuva sempre voltarão ao mesmo lugar.

Soa estranho associar esse belo fenômeno da natureza ao semi-árido, onde – por natureza – os pingos só aparecem de quando em vez, sem obedecer a ciclos e previsões.

Mas, não tem jeito. Para um sertanejo, a chuva sempre mandará lembranças, revisitará as gavetas do coração e encontrará um menino de olhos encantados, cabelos e faces molhadas.

O cheiro da terra irrigada invade os poros e sobe aos neurônios. A cabeça projeta um filme de nostalgias, embriaga a alma e alimenta as mais escondidas emoções.

Elas pousam na Rua Ana Rocha, número 18. No quarto sem luz, a melodia das gotas no telhado, o vento frio entrando pelas frestas. O clarão do relâmpago, o enigma dos trovões no meio da noite.

No alvorecer, a festa espalhada. A terra, antes ressequida e empoeirada, renova a vida, o verde perfuma os arredores e as folhas choram gotas de alegria.

De “dentro do carro a 100 por hora”, o motor se aproxima das “terras de onde eu vim” e na escuridão da estrada a chuva tímida de novembro anuncia o “inverno” que vem chegando.

Será que chegou lá também? Envolvo-me tanto quanto “da janela do escritório do oitavo andar” ou “na solidão das pessoas dessas capitais”. Eis que a vibração inesperada viaja depressa para bem longe. Ou devolve-me para tão perto.

Aquelas imagens que pareciam nem existir mais, os insights perdidos no calendário do tempo e nas novas pairagens agora reavivam o que está adormecido e pensava morto.

No ouvido, Cátia de França me diz que “um dia vou voltar” para na rede ouvir a orquestra do céu com a cidade em silêncio. Para correr de pés livres, chutando poças de dores, sujando o calção de lama, sem preocupação, e deixando escorrer no rosto a felicidade sem pressa. “Tudo outra vez”.

Quando chego aqui, ou em sangue ou em pensamento, olhos orvalham, um coração encharca e o “Poema” de Cazuza sopra úmida brisa no meu peito. “Era uma coisa sua que ficou em mim, que não tem fim”!

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