O retrato da saudade – Heron Cid
Crônicas

O retrato da saudade

2 de novembro de 2021 às 19h56

Meu irmão, revi essa fotografia hoje. Ela entrou em mim como um sol abrindo a manhã. Chegou-me por nossa mãe, que ainda chora, que ainda sofre, que ainda resiste e para quem o calendário dos anos nunca foi remédio.

Aqui – bem sabes – é na frente de nossa casa, na Ana Rocha número 18, em Marizópolis.

Lembro como hoje desse dia, dessa imagem congelada pelas minhas mãos e lentes da Yashica, presente de tia Pompéa.

Essa fotografia agitou meu coração, revirou minha alma. Não dá mais para voltar no tempo, mas revivo, muitas vezes em silêncio, a emoção, a lealdade, o sorriso, esse pedaço teu que ficou em mim.

Deve ser por essa falta que sou tão apegado aos meus filhos. Compenso essa saudade amando-os com a intensidade do último suspiro.

Na inocência deles, te vejo. No cheiro deles, te sinto. No abraço, te abraço, e beijo, e afago. E amo, amo muito. Amo até sem força, amo sem que eles jamais compreendam.

Exatamente como nós que nunca soubemos direito na teoria, porque apenas sentíamos sem qualquer razão ou explicação. De tanta verdade, de tanto querer.

Eu sei que o amor nunca morre. E tem dias que vem pra nos lembrar de que segue vivo e que a vida é agora. Eu tenho seguido com sua ausência tão presente. Pouco falo, mas em tudo sinto.

Confesso, de olhos marejados, que mergulhei fundo nesse retrato do tempo com o coração ardendo.

Com o sentimento desesperado de quem só queria voltar nesse dia e pegar mais uma vez na sua mãozinha para sairmos por aí correndo de pés descalços sem nenhuma pressa pelo amanhã!

Como não posso, te levo aqui comigo, meu irmão! Nos olhos, na boca, na pele, na memória, nas marcas, no peito, no riso e nas lágrimas que agora, de surpresa, me visitam.

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