A primeira cidade grande – Heron Cid
Crônicas

A primeira cidade grande

24 de outubro de 2021 às 15h32
Parque do Açude Novo (Foto: site Retalhos Históricos de Campina Grande)

Na mala, dois pijaminhas costurados por dona Maria Dantas. No coraçãozinho, medo e apreensão. Por que precisava viajar e internar-se num hospital tão longe para um “tratamento” de garganta? O que eram amídalas? Os porquês dessa fase são infinitos. Os meus, aos sete anos, também.

Na estrada, de dentro da TransParaíba, o mundo se esvaia na velocidade de um cometa. Casinhas pequenas sumiam das vistas, riachos saudavam a passagem e serras cortavam a paisagem do horizonte.

Com os raios do primeiro sol, Campina Grande se impôs feito miragem. Seus prédios pareciam muito maiores do que eram. O Hospital João XXIII tinha para aqueles olhos infantis a aparência de um hotel e a enfermaria o aspecto do quarto infantil que não existia em casa.

No alto, em frente à caminha de lençóis brancos, um artigo raro na Marizópolis do começo dos anos 90, o televisor. Desenhos hipnotizavam e faziam esquecer a agulha dormindo no braço por horas.

Uma bandeja com aquelas divisórias para cada porção apresentaram a melhor comida que havia experimentado, até ali. O feijão mulatinho, a verdura, o arroz branquíssimo e a carne guisada, a combinação celestial para o incipiente paladar de escasso cardápio.

Fim de tarde, duas pessoas vestidas de branco apareceram com uma cama que andava. Em segundos, as feições da doce e terna acompanhante mudaram da quietude para a apreensão. Estava já ali, vestido com bata branca e sendo levado. Para onde?

Com a mão apertada na minha, o olhar materno ao lado buscava espantar todo medo. Até que as portas da sala se abriram e os dedos se despediram. Agora, apenas luzes incandescentes e gente desconhecida. Algumas poucas frases e – em minutos – o silêncio que só despertou na madrugada de outro quarto.

No escuro, a sensação de um gosto diferente e estranho na boca. Medo, pavor e frio só aquecidos de novo pelo calor daquela mão firme e, ufa!, o doce olhar de quem, ao lado, dizia tudo, sem nenhuma palavra.

Na dieta da recuperação, iogurtes geladíssimos para anestesiar as dores. Ou sorvetes recheados. Tudo que nunca havia visto e nem tomado na vida. Pela primeira vez, o sabor e perfume da maçã, aquela fruta nova e maravilhosa, sem casca, raspada no pratinho e degustada sem pressa.

Depois da volta, sonhava acordado deitado na redinha e olhando o céu de telhas. Só via as ruas, o movimento, as imagens, as descobertas e a coisas boas e mágicas daquela cidade grande. Queria ‘adoecer’ de novo.

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