Editorial do Estadão: "O devaneio castrista de Lula" – Heron Cid
Opinião

Editorial do Estadão: “O devaneio castrista de Lula”

27 de julho de 2021 às 22h00 Por Heron Cid

A popularidade digital do ex-presidente Lula da Silva caiu de 43,18 pontos para 27,48 entre os dias 12 e 14 de julho, conforme levantamento da consultoria Quaest, publicado recentemente pelo Estado. O motivo de queda tão abrupta foi a defesa que Lula da Silva fez do regime cubano, que reprimiu duramente manifestantes em Cuba no dia 12.

Enquanto o mundo civilizado se chocava com a brutalidade das forças de segurança de Cuba contra cidadãos que ousaram protestar contra a falta de vacinas contra a covid-19 e contra a escassez crônica de alimentos na ilha, o chefão petista caprichou: disse que a manifestação de cubanos havia sido uma mera “passeata” e teve a audácia de negar a violência que todo mundo testemunhou. Para completar, o PT soltou um “comunicado de apoio ao povo e ao governo de Cuba”, como se fosse possível apoiar, ao mesmo tempo, quem apanha e quem bate.

A queda da popularidade digital de Lula da Silva é uma boa medida do limite de tolerância à desfaçatez lulopetista. Lula aparece à frente nas pesquisas de intenção de voto menos por seus méritos, e mais porque o presidente Jair Bolsonaro faz um governo tão ruim que, para parte do eleitorado, a mera perspectiva de sua reeleição tornou a volta do petista ao poder uma possibilidade aceitável, se o demiurgo de Garanhuns for o único candidato capaz de derrotar o bolsonarismo. Mas a indecência de Lula ao apoiar um governo que reprime selvagemente o próprio povo certamente serviu para abalar as eventuais ilusões de muitos eleitores ingênuos a respeito do petista.

Lula não é um democrata, e seu apoio ao regime castrista, bem como ao governo tirano da Venezuela, é prova eloquente disso. Seus fanáticos seguidores dizem, cinicamente, que Lula jamais atentou contra a democracia, mas a vocação autoritária do PT e de seu líder é incontestável – atestada pelo aparelhamento petista da máquina do Estado, pela desbragada corrupção e pelo estímulo ao conflito entre “nós” e “eles”, elementos que, somados, arruínam a democracia.

A Cuba castrista não inspira Lula da Silva por causa do socialismo. Como se sabe, o ditador Fidel Castro alinhou-se à União Soviética só depois da Revolução, e isso porque Moscou prometeu lhe dar generosa mesada, comprar açúcar cubano e armar a ilha contra os Estados Unidos, e não porque estivesse interessado no comunismo. Este era somente um pretexto retórico para implantar, primeiro, sua ditadura pessoal, depois, um regime familiar e, agora, um clã totalitário.

Do mesmo modo, o discurso socialista, na boca de Lula, é apenas um embuste para enganar universitários e artistas. Ao mesmo tempo que evocava o socialismo como meta e ambição, o PT de Lula, ao longo de sua história, expurgou sem dó as seitas trotskistas e marxistas-leninistas que lá se haviam acomodado, restando somente os oportunistas que orbitam o guia genial. Pai do sindicalismo de resultados, Lula no poder se tornaria a mãe do capitalismo de compadrio, enquanto entretinha os grêmios estudantis com seu falatório antiamericano e encantava os pobres com ilusionismo demagógico.

Enquanto Lula abraçava gostosamente o caquético castrismo, decerto com inveja da longevidade de uma ditadura que alguns bobos veem como farol da democracia, o Partido Socialista do Chile disse em comunicado que “é dever do governo e das autoridades cubanas ouvir as demandas” do povo cubano. Isso mostra que nem toda a esquerda compartilha do cinismo lulopetista.

Isso já havia ficado claro quando artistas de incontestáveis credenciais esquerdistas, como o escritor português José Saramago e a cantora argentina Mercedes Sosa, consideraram intolerável a repressão da ditadura cubana. Em 2003, depois de mais um fuzilamento de dissidentes, Saramago declarou que a Cuba de Fidel “perdeu a minha confiança, danificou as minhas esperanças, defraudou as minhas ilusões”, e Mercedes Sosa afinal se rendeu: “Creio que já é tempo de não aceitarmos tudo”.

Lula poderia ter a grandeza de pelo menos parar de elogiar a terrível ditadura cubana. Ao não fazê-lo, autoriza a suposição de que, no fundo, quer mesmo é encarnar Fidel e governar até a morte – e além.

Estadão

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