Magno Martins conta novela e tragédias da família Santos, de Pernambuco – Heron Cid
Bastidores

Magno Martins conta novela e tragédias da família Santos, de Pernambuco

15 de maio de 2021 às 12h44

De tudo que apurei ao longo desta série, cuja primeira etapa chega ao seu final amanhã, o que mais me chocou foram as histórias levantadas em cima dos episódios na família Santos pontuados por tragédias, extremamente chocantes, daquelas que ninguém consegue segurar o choro. Vindo ao mundo em 1907, na Serra Talhada de Lampião, o rei do cangaço, o patriarca João Pereira dos Santos ficou órfão de pai em 1909, com apenas dois anos de idade. Na sequência, todos os bens da família foram destruídos e ocupados.

De classe média alta do Sertão, João Santos viveu o infortúnio, chegando a ser jogado no mais deplorável estado de miséria, a tal ponto que a viúva se viu forçada a migrar, como retirante das terras secas de Euclides da Cunha, autor dos contos doloridos de Os Sertões, para as Alagoas, em busca de um novo Eldorado. Em seguida, o filho, que viria a criar um dos impérios do cimento no País, também é forçado a trabalhar ainda criança.

Sua história já começa surpreendente até em se tratando dos primeiros patrões quando ainda não entendia de mundo: o destino o transforma, na mesma Alagoas que acolheu a sua mãe em desespero, em garoto de recados do lendário e admirável Delmiro Gouveia, um dos pioneiros da industrialização do País, construtor da primeira usina hidrelétrica do Nordeste, com apenas oito anos. Ainda nesta mesma fase da vida, vira operário na seção de etiquetas da Fábrica de Linhas da Pedra, em Paulo Afonso (BA).

Depois das mais fantásticas superações da pobreza, João Santos ganha a oportunidade que poucos sertanejos daquela época tinham de ser educado no Recife, num curso paroquial. Nunca teve o direito de se dedicar apenas aos estudos, como os filhos de nobres. Ao mesmo tempo em que queimava as pestanas nas tarefas do colégio num turno, no outro trabalhava duro como funcionário de uma multinacional.

Mais tarde, já cursando o superior, torna-se “guarda-livros”, o contador na versão atual. Daí, cria asas e coragem para se aventurar no mundo empresarial, primeiro como usineiro, depois magnata do cimento. Dos seis filhos, escolhe o primogênito João Pereira dos Santos Filho como seu sucessor, responsável pela expansão do grupo no Sudeste brasileiro, com destaque para Espirito Santos que depois avançaria em São Paulo.

Não sabia que estava diante da segunda grande tragédia da sua vida. De olho no mercado exterior, o filho predileto do patriarca morre num acidente de avião no Paraguai, sepultando ali mesmo os sonhos de conquistar o mundo. Isso provoca um abalo profundo no fundador do grupo, que carregou pelo resto da vida a dor incontida de perdas irreparáveis. Dizia que perdeu não apenas a principal carne da sua carne, mas também aquele que havia preparado para consolidar o grupo no Sul do País, mais tarde, também, no grande comandante do plano de internacionalização.

Mas ficou com a esperança de que o filho do seu filho João Filho, viesse a ocupar o espaço do pai tragicamente desaparecido. Ocorre que anos depois vive outra dor quando exatamente o neto, que seria o sucessor do primeiro sucessor, também perde a vida em outras circunstâncias, num acidente de automóvel no bairro do Espinheiro, no Recife. Foi a dor dentro da dor, perdendo o filho do filho predileto. A escuridão da alma tomou conta de João Santos, que ficou um homem ainda mais reservado e contido.

Um dos poucos espaços de alegria estava no Rio de Janeiro, onde morava a filha Maria Clara e seu genro preferido, Eduardo Tapajós (foto), dono do lendário Hotel Glória, onde se hospedavam presidentes e estrelas da política e do poder. Mas num dia de nuvens negras, mais uma tragédia familiar: cai o helicóptero que transportava Tapajós, cujo corpo foi lançado ao mar para nunca mais ser encontrado. O velho João Santos recebeu essa renovada violência do destino e mergulhou ainda mais na sua solidão e dedicação obcecada ao trabalho.

Poucos anos depois, o coração do velho volta a sofrer fortemente, com a notícia de que um BMW de luxo, blindado, havia sido lançado no canal da avenida Agamenon Magalhães, logo após o viaduto da Avenida Norte. Para desespero do patriarca, no carro estava Fernando Pereira dos Santos Filho, o único filho biológico de Fernando Santos. Conhecido por Fernandinho, foi preparado pelo pai para ser um grande executivo internacional, tendo estudado nas melhores escolas da Suíça e da Inglaterra, formando-se com brilho e destaque na Universidade de Londres.

O patriarca, por fim, expressou as mais dilacerantes dores por tantas mortes e tragédias ao seu redor. Na verdade, viu o fim de um pedaço de três gerações: o pai, a quem nem chegou a conhecer; o filho predileto; o genro dos sonhos; o neto que iria resgatar o sonho destruído nos ares do Paraguay. Para completar, o neto que mais estudou e se preparou para ser o primeiro executivo da família de padrão internacional.

Que destino de tristeza e história de horror!

Chorava por dentro – João Santos era muito reservado e pouco contava da sua vida. Conseguimos resgatar alguma memória por meio de raras pessoas que trabalharam com ele e conseguiram saber um pouco do que o gigante nascido em Serra Talhada guardava na alma. O patriarca dos Santos sentia muita tristeza por não ter conhecido o pai. Só sabia através das histórias contadas pela sua mãe, mulher de muita bravura e sabedoria. Pelo que lembra, seu pai era um homem de imensa fibra, destemido e incansável trabalhador. João Santos falava com o olhar distante, mirando para além do horizonte, chorando por dentro.

Iluminado e hábil – Sobre o filho Joãozinho, considerava uma pessoa iluminada, hábil, sedutora, que foi para o Espírito Santo e lá criou bases humanas profundas, praticamente se tornando um capixaba. Recuperou uma usina de cimento quebrada e a transformou numa das melhores do Brasil. O velho nunca deixou de lembrar desse filho que para ele foi que o deu mais alegria, porém que no final deixou a mais insuperável dor pela partida súbita.

Uma dor insuportável – João Santos considerava Tapajós, o seu genro, verdadeiro filho, uma pessoa fina, acolhedora e carinhosa. Tinha o espaço não apenas do antigo e inesquecível Hotel Glória, mas também uma casa de praia que era uma das mais belas do Brasil. O sogro tinha imenso orgulho do genro e nunca recuperou o desaparecimento que se deu de forma tão absurda, segundo falava. Quanto aos netos João e Fernando, que também perdeu, dizia serem potentes olhos-d’água, que nunca puderam chegar a ser rios. Não conseguia aceitar que fossem levados tão cedo, ambos em acidentes de automóvel de formas banais e inteiramente evitáveis. “Por que? Por que? Como explicar o inexplicável?” E isso o deixava ainda mais introspectivo e voltado para o trabalho.

Positivo sem ter esperança – João Santos era um homem que lia muito e tinha uma curiosidade infinita. Desenvolvia conversas de alta profundidade sobre o sentido da vida e a missão de cada um. Achava que todos devem ser positivos, mas não faz sentido ter esperança porque ninguém controla o destino. Cabe agir, lutar, trabalhar sem repouso. Não temer nada nem ninguém, mas sempre desconfiar de todos, até da própria sombra. Sua visão de vida era prática e sofisticada. Dizia que qualquer coisa pode não dar certo e mesmo dando certo, a tendência seria no final virar ruínas. Porém, cada um tem o dever de fazer o máximo além do possível para que acertar. Só assim é possível enfrentar as frustrações e quando alcançar conquistas saber que sempre são passageiras.

A abjeta natureza do ser – Para o patriarca, as pessoas tendem ao mal, o que vem da origem animal dos seres humanos. A luta pela sobrevivência e a ganância, segundo ele, transformam as pessoas em entes sórdidos. Dizia que tantos os mais pobres quanto os mais ricos agem de forma predatória. As religiões, para ele, surgiram com o propósito de controlar esses impulsos destruidores, sem nada resolver esse mal que faz parte da essência do existir. Nada, para ele, podia ser mais forte do que trabalhar de maneira inteira, intensa, completa. Essa era, no seu entender, a terapia adequada para minimizar os males. “Só o trabalho redime, eleva, constrói. O restante é o vazio que suga e devora as precariedades do existir”, repetia.

O genro ministro – João Santos não era apenas um homem de ação, mas um construtor de sonhos, vivenciador dos mais temíveis pesadelos. Era também um pensador, mergulhado na mais profunda reflexão. Ele tinha um genro que elogiava muito, o ex-ministro Thales Ramalho (foto), do Tribunal de Contas da União, também ex-deputado federal, intelectual refinado. Leitor de Dostoiévski, dizia que “Seu” Santos, como chamava o sogro, foi o homem mais inteligente e arguto que conheceu na vida inteira.

Perguntar não ofende: Por que o destino reservou tantas tragédias na vida de João Santos?

Blog do Magno Martins

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