Cassiano, a lua e eu – Heron Cid
Crônicas

Cassiano, a lua e eu

9 de maio de 2021 às 07h00

Conheci Cassiano em 1998 na Rádio Mares FM. Não que o cantor e compositor tenha visitado os estúdios da primeira e incipiente emissora de Marizópolis. Nada disso.

Devo a ilustre apresentação ao amigo Patrício Henrique, dono de um excelente acervo de CD’s para os padrões da época e da pequena cidade.

Entre eles, estava Velhos Camaradas, uma coletânea de sucessos de Tim Maia, Hyldon e Cassiano, trio fundador do que o jornalista Nelson Motta chama de a “nova música preta” do Brasil. O movimento quebrou o estigma de negros condenados a só cantar samba.

O contato com Cassiano foi no roteiro da apresentação do Maré Baixa, meu primeiro e único programa musical no rádio, quando ainda nem tinha completado meus 15 anos.

Não fui a fundo. Fiquei na superfície, mas as canções daquele álbum colaram em mim. Guardei todas as 14 faixas, melodias e letras. Tanto que escrevo essas mal traçadas embalado pelo som da playlist.

Só no noticiário soube que Genival Cassiano, morto aos 77 anos, era paraibano de Campina Grande, de onde logo cedo partiu para o Rio de Janeiro.

Compositor consagrado, não teve a mesma sorte como cantor, embora algumas de suas canções tenham estourado na década de 70. Duas delas em novelas da TV Globo.

“A Lua e Eu”, uma delas, parece agora um auto retrato profético do ostracismo que o futuro reservaria:

“Mais um ano se passou
E nem sequer ouvi falar seu nome…

“Quando olho no espelho
Estou ficando velho e acabado”

“O vento faz eu lembrar você
As folhas caem mortas como eu…”

Capa do disco “Apresentamos nosso Cassiano”, de 1973

Cassiano morreu muito antes de 7 de maio de 2021. Há muito tempo vivia doente (perdeu uma parte do pulmão ainda no final de 70) e fora da cena. Relatos indicam que o artista nunca adaptou-se (ou nunca enquadrou-se) aos moldes da indústria fonográfica.

Gravou poucos discos, mas o suficiente para uma “Coleção” de regravações por nomes consagrados. Ivete Sangalo e Djavan na lista. “Primavera” – hits na voz única de Tim Maia – é uma obra-prima da MPB. “Eu amo você”, também registrada pelo “síndico”, idem.

Para quem não conhecia o músico, a descrição do obituário da Folha de São Paulo dimensiona o tamanho do autor:

“Talvez Tim Maia não se tornasse um nome tão grandioso na música brasileira se não gravasse em 1970 o single “Primavera (Vai Chuva)”, um de seus hits eternos e que abriu a chance para seu primeiro álbum. Então talvez seja possível dizer que Tim não seria o mesmo sem Cassiano, o autor dessa canção. Na verdade, a música negra brasileira não seria a mesma sem Cassiano”. 

Triste saber que alguém de sua grandeza cruzou a linha de chegada quase esquecido, especialmente pelas novas gerações que só souberam da sua existência, ironicamente, com a notícia da morte.

Em 1976, em “Salve Essa Flor”, ele já apelava, como quem olhava no espelho:

“Se não for a ajuda de alguém
Ela vai, claro que vai
Despetalar
Morrer, morrer”

Com poucos altos e muitos baixos, Cassiano registrou seu nome na música nacional pelo conteúdo referencial das canções e genialidade criativa de um estilo definitivo, o Brazilian Soul.

Pena que a saúde debilitada não permitiu a Cassiano esperar “o inverno chegar” e nem ver a primavera de 2021. A estação que reverenciou e imortalizou em sua obra.

Capa da coletânea “Velhos Camaradas”, de 1998

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