Orgulho de ser sertanejo (por Magno Martins) – Heron Cid
Crônicas

Orgulho de ser sertanejo (por Magno Martins)

4 de abril de 2021 às 08h00

Historicamente, desde “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, “O Quinze”, de Raquel de Queiroz, “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, e “Grande Sertão Veredas”, de Guimarães Rosa, que o vasto e imenso território do semiárido nordestino é visto e abordado pelo viés de fim do mundo, região inóspita. Mas o Sertão não é só tristeza, fome e abandono.

Fui criado nas paragens do Pajeú das flores e da poesia fácil que brota do seu leito rachado. Só sai em revoada, como a Asa Branca, cantada em verso e prosa por Luiz Gonzaga, aos 17 anos. Vivi a infância sem TV, sem notícias do mundo civilizado até a começar a entender de mundo como gente pensante.

Vivi noites de trevas que pareciam sem fim quando quebrava o velho motor de Afogados da Ingazeira, na verdade uma mini usina de energia a óleo, que jogava sobre nós fachos de claridão.

Nas flores lindas que sonhou em sua Caruaru, o cantor Petrúcio Amorim diz que nasceu entre o velame e a macambira, matando a fome com tareco e mariola. Matei a fome com xerém com leite, prato que mamãe repetia no jantar, quase todos os dias. Mas conheci e provei também tareco e mariola. Eu e meus oito irmãos.

Nem por isso viramos trapos de gente. Pelo contrário, o Sertão me deu régua e compasso. Tenho orgulho das minhas origens. Sou como o mandacaru, resistente a todas as intempéries. O mesmo sol, que faz mato verde virar caatinga, também turbina minha alma e meu coração com prosa leve, solta romântica e telúrica. Euclides, Guimarães, Raquel, todos nossos sabiás das letras, enfim, eram telúricos.

Quando me discriminam por ser sertanejo, passo na cara deles Rogaciano Leite:

“Senhores críticos, basta!
Deixai-me passar sem pejo,
Que um trovador sertanejo
Vai seu “pinho” dedilhar…

Eu sou da terra onde as almas são todas de cantadores:

– Sou do Pajeú das Flores –
Tenho razão de cantar!

Não sou um Manoel Bandeira, Drummond, nem Jorge de Lima; Não espereis obra-prima deste matuto plebeu!…

Eles cantam suas praias,
Palácios de porcelana,
Eu canto a roça, a cabana,
Canto o sertão… que é meu!”

Esta crônica, de desabafo e também provocação, foi inspirada pela imagem deste mandacaru florido, enviada pela minha amiga Tatiana Marques, recifense, mas de coração, alma e espírito sertanejos. A natureza é perfeita, faz a combinação do verde pátria com o vermelho da nossa resistência.

Guimarães Rosa disse que o Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o lugar. Graciliano Ramos era a própria encarnação do Sertão. Dizia: “Só posso escrever o que sou. E se os personagens se comportam de modos diferentes, é porque não sou um só. Sou o Sertão dentro de mim”.

Foi Euclides da Cunha que disse que o sertanejo é antes de tudo um forte. Com saudade do seu Sertão cearense, Raquel de Queiroz fez um protesto belo e inusitado para revelar seu amor e apreço pelas coisa simples da roça: “Por que os doutores, tão ricos em remédios para o corpo ofendido, não arranjam algum remédio para um ferido coração? Ferido de saudade do meu Sertão”.

Blog do Magno Martins

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