No balanço das ondas (por Dora Kramer) – Heron Cid
Opinião

No balanço das ondas (por Dora Kramer)

20 de novembro de 2020 às 09h35 Por Heron Cid
Presidente diz não precisar de vacina; é de juízo que ele necessita e na fila prioritária (Foto:Isac Nóbrega/PR)

O ambiente adverso que se formou em torno do presidente Jair Bolsonaro ante o mapa do primeiro turno das eleições municipais serve como projeção certeira (e definitiva) para o cenário da presidencial de 2022? No mundo político a concordância geral é de que não, não serve, mas produz importantes indicadores para os dois campos, pró e contra Bolsonaro.

Os adversários enxergam um bom momento para reação, mas admitem que isso terá prazo de validade curto se não souberem dar o aproveitamento adequado. Reconhecem que as derrotas ocorreram mais em decorrência dos equívocos cometidos pelo presidente do que por méritos da oposição a ele à esquerda, ao centro ou à direita.

Fiz uma lista dos tropeços presidenciais, cruzei com impressões de gente experiente nos diferentes grupos ideológicos e chegamos aos seguintes pontos em comum sobre as causas, que, à semelhança dos desastres de avião, são várias.

“Os tropeços do Capitão criaram chance de reação, cujo êxito depende dos passos que darão seus adversários”

1 — Excesso de confiança do presidente em seu poder de sedução eleitoral. Tivesse ele se mantido a prudente distância dos candidatos não teria se tornado sócio de derrotas.

2 — Ausência de organicidade e estrutura partidária. Mesmo quando presidentes não se envolveram diretamente em campanhas, os partidos no poder central cresceram de modo substantivo na conquista de prefeituras e quantidade de vereadores. Basta consultar o mapa das municipais quando PSDB e PT estavam na Presidência.

3 — Os exageros retóricos de Bolsonaro afastaram muita gente e podem ter cansado o eleitorado. Esticou demais a corda, trabalhou para um nicho, não falou para a maioria.

4 — Inexistência de rumo no discurso. Jair Bolsonaro não disse ao eleitorado a razão pela qual deveria votar em seus candidatos. Concentrou a motivação no apoio à figura dele. Afinal, por que alguém deveria votar em Wal do Açaí ou desta vez dar uma terceira chance a Celso Russomanno?

5 — Errou a mão na pandemia e, com isso, foi mal no quesito competência de gestão.

6 — Concentrou-se excessiva e exclusivamente nos embates digitais. Confundiu urna com rede social.

7 — Não levou em conta o passivo acumulado nesses dois anos em que teve papel desagregador. Não conquistou, só perdeu apoios. O Centrão não vale, porque está aí para o que der e vier, principalmente para o que vier e der.

8 — Ignorando a mudança do vento, não adaptou o método, limitando-se a repetir a dinâmica de 2018.

Desenhado o panorama dos erros, sobram ainda algumas conclusões. Em destaque, duas dirigidas aos que pretendem se organizar para impedir a reeleição de Bolsonaro. A primeira é que com a maré baixa não dá mais para culpar a “onda bolsonarista”, é preciso tratar de convencer o eleitor.

A segunda é que autoritarismo não se impõe pela força dos gritos se o campo democrático souber transitar com competência nas veredas abertas pelos erros do autoritário usando as armas da civilidade, do foco estratégico e da tolerância entre os ocasionalmente divergentes.


Publicado em VEJA de 25 de novembro de 2020, edição nº 2714

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