A pedrada de Roberto, a fera ferida – Heron Cid
Bastidores

A pedrada de Roberto, a fera ferida

15 de maio de 2020 às 12h36
Um homem não pode ser julgado por uma frase. Mas uma frase pode rasurar o livro da sua obra

O jornalista é esse bicho condenado a escrever e a tratar sobre coisas que a pessoa, por trás do profissional, particularmente não gostaria de se imiscuir. Entre a afeição pessoal e o dever, o último fala mais alto e convoca a altivez. É inevitável, sobretudo, quando aquilo em que se acredita e se leva a sério vira alvo de ataque. Quando injusto, pior.

Nessas horas, vale mais do que nunca a máxima pessoal carregada como mandamento aqui neste espaço: o jornalismo não comenta pessoas, analisa fatos. E o fato que envolve o empresário Roberto Cavalcanti, do Sistema Correio, merece comentário. Não ele, a declaração dele.

A frase genérica de Roberto contra o jornalismo, no contexto de um desabafo geral sobre a crise econômica, é reprovável, ainda que se procure com esforço compreender o seu estado emocional.

Cavalcanti vive o luto pela morte da menina dos seus olhos. Há poucos dias, sepultou o jornal Correio da Paraíba, sua paixão pessoal, e assiste as ameaças de um mercado cheio de incertezas ao segmento do qual reinou por décadas.

É uma fera ferida, como canta Roberto Carlos. Roubando os versos de Gonzaguinha, em “Um Homem Também Chora”, “eu vejo que ele berra, eu vejo que ele sangra”.

Sangrando, errou ao receitar pedradas numa “Geni” já tão hostilizada, difamada e injustiçada. A “Geni” que serve a Roberto desde os anos 80. Como investidor e gerador de emprego, ele conhece bem e sabe quanto historicamente “ela é feita para apanhar, é boa de cuspir”.

O conteúdo do rompante não combina com Roberto e nem com a história do Correio, de confrontos marcantes. Imagine se na época do litígio visceral com o Governo Cássio Cunha Lima prevalecessem as pedradas contra os seus jornalistas. E não faltavam, à época, radicais contrariados com a cobertura do Caso FAC que achassem merecidas.

A raiva é sempre má companhia. Fez até uma prodigiosa memória relegar, por uns poucos segundos, que ele próprio e o Correio já foram tragicamente vítimas, de sangue, da intolerância oficial ao jornalismo e do ódio contra uma linha editorial. Naquela noite de 13 de dezembro de 1984 havia alguém encorajado a atirar a primeira pedra. E 30 tiros.

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