O primeiro 'rei' do 'batidão', uma crônica de carnaval – Heron Cid
Crônicas

O primeiro ‘rei’ do ‘batidão’, uma crônica de carnaval

26 de fevereiro de 2020 às 11h56

No meio do salão, alguém viu uma “dança diferente”, como canta Jackson do Pandeiro, na sua emblemática Sebastiana, composta por Rosil Cavalcanti.

Para surpresa geral, era o menino mais tímido da cidade sozinho com uns passos estranhos. Ou, melhor dizendo, ‘novos’.

O palco era a Sorvelanche. Naquelas tardes, toda meninada e parte da juventude de Marizópolis se reunia na casa de shows de Maria de Joaquim de Moça, point dos carnavais em meados da década de 90.

Não demorou e, de repente, uma turma fez uma roda em torno dele. No meio, o moleque de cabelo meio arredondado, fino e liso ao ponto de ser quase impossível pentear para um lado, metia o joelho no abdômen.

Duas vezes cada. Tudo ritmado com o axé music da época. Quanto mais era aplaudido, mais se esforçava para elevar ao máximo a coxa no alto para bater na própria ‘caixa do peito’. De tanta animação, mordia os lábios, aumentando a pressão e o entusiasmo.

Estava criada uma inédita dança. Muito antes de o paraibano Gil Bala pensar no batidão.

O menino não compreendia aquele súbito ‘sucesso’ e empolgação dos colegas maiores que antes mal lhe davam atenção, agora convertidos em admiradores. Rodrigo de Tico Teobaldo, Erasmo de Chagas Braga, Wostenildo de Francimar da Cagepa, Laurineto de Chico Laurindo estavam todos agora ‘encantados’ com a surpreendente capacidade artística, revelação daquele carnaval.

Entre as palmas, risos, muito risos. De tão concentrado, achava que as gargalhadas eram de aprovação e júbilo diante de tão extraordinária perfomance.

E veio o ápice. Todo mundo junto ao redor batendo palma no ritmo daquele “Hei, hei, hei”, lembrando um fã-clube diante do astro idolatrado, numa demonstração inconfundível de reverência e êxtase.

Aquela cena mítica ficou guardada na memória dele por muitos anos. Não sabia explicar como conseguiu se superar e produzir tamanha proeza num salão com tanta gente mais experimentada na matéria.

Demorou pelo menos dez anos para desconfiar do verdadeiro motivo. O tempo, agora na mocidade, fez questão de revelar tudo.

Na verdade, os participantes da roda, dos aplausos e daquela inesquecível matinê, simplesmente mangavam, chacoteavam e faziam algazarra com a dança destrambelhada, desengonçada, para não dizer rídicula.

Aquele prodígio das pistas era eu. Não ria!

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