Vivemos a era das ofensas (por Fernanda Young) – Heron Cid
Bastidores

Vivemos a era das ofensas (por Fernanda Young)

1 de julho de 2019 às 15h00

Tudo começou com a internet, que popularizou o anonimato — até então restrito aos autores de cartas anônimas, telefonemas com voz falsa e pedidos de resgate. Mas foi a partir do surgimento das redes sociais que os seres humanos ingressaram numa época obscura, que um dia poderá ser conhecida como a era das ofensas.

Parece que a humanidade passou os últimos cinco mil anos, desde a invenção da escrita, aguardando esta oportunidade: uma área de comentários. Uma lacuna na página, onde ela fosse convidada a dar palpites na vida alheia, dizendo o que bem entendesse, publicamente, sem se preocupar com qualquer tipo de consequência. Um espaço aberto para as diferentes maneiras de pensar, no qual pseudônimos enigmáticos fossem bem-vindos e insultos estivessem liberados.

Tinha tudo para ser maravilhoso, não é? Todos no mundo sendo capazes de expressar suas opiniões, com absoluta liberdade — o que poderia dar errado? Mas o que se seguiu tem sido uma eclosão de ofensas indiscriminadas, cuja virulência normalmente beira a agressão verbal. Agora, estamos acostumados a entrar nos nossos perfis e sermos sumariamente esculhambados. Leia os comentários sobre qualquer notícia, em qualquer site: aposto que vai ter alguém xingando alguém.

O ser humano encontrou a sua essência na ofensa mútua. Sim, você pode discordar do outro sem precisar ofender, mas ofendendo ganha muito mais likes . E as acusações podem ser infundadas, o que é deliciosamente tentador. Até os erros gramaticais são totalmente perdoados, pois não se pode pedir para alguém ser grosso e culto ao mesmo tempo.

“Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos aqueles que nos têm ofendido”, nunca uma súplica foi tão atual. O planeta vive seu momento de barraco, e o bate-boca é generalizado. Hoje, se a humanidade viajasse até a Lua, não repetiria a icônica frase de Neil Armstrong. Escreveria nos comentários: “lugarzinho feio e sem graça, cheio de buracos, não tem a menor atmosfera, vivendo do passado, uma decepção, cancela.”