A Lava-Jato na berlinda (por Míriam Leitão) – Heron Cid
Bastidores

A Lava-Jato na berlinda (por Míriam Leitão)

11 de junho de 2019 às 11h00
Deltan e Moro no evento "Mãos Limpas e Lava-Jato", em 2017 | Edilson Dantas

Dois ministros de tribunais superiores avaliaram ontem que as conversas entre o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol não deveriam ocorrer da forma como ocorreram, mas ao mesmo tempo um deles disse que dificilmente o julgamento do ex-presidente Lula será revertido. Um dos militares com cargo no atual governo admitiu que “bom não é”, ao se referir aos diálogos já divulgados pelo site “Intercept Brasil”. A ordem no Planalto é de ser o mais cuidadoso possível em qualquer declaração sobre o assunto, mas o clima é de constrangimento.

Um dos ministros acha que há nos diálogos “uma clara violação à lei” brasileira que veda a proximidade entre o juiz e as partes para evitar “combinações”. Outro acrescentou que no Judiciário é fundamental a “publicidade e a transparência”. Em países como Portugal, por exemplo, existe a figura do “juiz de instrução”, que trabalha com as partes para a consolidação das provas. Mas exatamente por causa desse envolvimento ele não julga a causa. No Brasil, essa ideia de um juiz de instrução chegou a ser pensada, mas nunca foi aprovada.

Há uma ação em que os advogados do ex-presidente arguiram a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro depois que ele aceitou o convite para ser ministro do governo Bolsonaro. A 2ª Turma analisou, o ministro Edson Fachin iria indeferir, mas o ministro Gilmar Mendes pediu vista. Está parado desde dezembro. A questão é, diante dos fatos que foram revelados, isso poderia mudar?

— Não acredito. Isso é quase impossível. Para nós o fato consumado tem uma força muito grande. São processos julgados, são processos instruídos. Dificilmente um órgão julgador vai reverter esse quadro. No caso dele, chegou ao Superior Tribunal de Justiça, voltar à estaca zero é muito difícil — disse um desses integrantes de tribunais superiores ouvidos ontem pela coluna.

O que se diz no Planalto é que houve um crime praticado por quem hackeou os aparelhos celulares e os aplicativos de mensagens do ex-juiz e dos procuradores. E que agora é preciso aguardar um pouco mais para se entender o contexto e todos os eventos relacionados com o fato.

O ex-juiz Moro e o coordenador da Força-Tarefa não deveriam ter trocado informações fora dos autos e das conversas protocolares. Mas é difícil, diante de tantas evidências, achar que tudo o que houve na Lava-Jato durante cinco anos foi fruto de um conluio e apenas com o intuito de evitar uma candidatura. É incontornável o fato de que a operação tem revelado um volume exorbitante de atos de corrupção de políticos de diversos partidos, de empresários réus confessos, de operadores vindos do mundo das sombras.

Há números que falam por si. De 2014 até 20 de maio deste ano, a Lava-Jato havia condenado 159 pessoas, das mais de 400 acusadas, a 2.249 anos de pena por crimes como corrupção e lavagem de ativos. Foram 184 acordos de colaboração premiada. Outros 11 acordos foram de leniência. Bilhões foram recuperados. A ação que começou em Curitiba se espalhou pelo país e produziu uma enorme operação no Rio, e desdobramentos em Brasília e em São Paulo, com outros procuradores e outros juízes. Foram atingidos políticos de diversos partidos, alguns adversários entre si.

O procurador Dallagnol, no vídeo que divulgou ontem, contou que 54 pessoas acusadas pela Força-Tarefa foram absolvidas por Moro, o Ministério Público recorreu de centenas de decisões do ex-juiz. “Isso mostra que o Ministério Público não se submeteu ao entendimento da Justiça e que o juiz não acolheu o que o Ministério Público queria”. Mas não faz sentido explicar o que houve de estranho nas conversas entre ele e Moro com o argumento de um ataque à Lava-Jato.

Na verdade, a Lava-Jato desde o início vive o temor da conspiração contra ela. E várias vezes, teve razão, como ficou claro no desejo do governo do ex-presidente Temer de “estancar a sangria” ou de “manter isso aí”. Contudo, o pior ataque que ela sofreu vem dela mesma. No momento em que o ex-juiz Sérgio Moro deixou a 13ª Vara Federal para ir para o governo Bolsonaro, ele fragilizou a operação. Os diálogos divulgados agora são outra razão do enfraquecimento. Para avançar será preciso estar cada vez mais longe da briga político-partidária brasileira. O inimigo é a corrupção e não um partido. Quem pensou diferente disso, errou.

O Globo

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