Conflito com o passado (por Merval Pereira) – Heron Cid
Bastidores

Conflito com o passado (por Merval Pereira)

5 de junho de 2019 às 11h00
Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto, durante cerimônia de assinatura de decreto relacionado ao transporte de armas - Adriano Machado/Reuters

Eleito contra o establishment parlamentar, de cujo setor mais irrelevante fez parte por 28 anos, o presidente Bolsonaro encontra dificuldade de desvincular seu passado da realidade presente que enfrenta no cotidiano do Palácio do Planalto.

Estatista convicto, transformou-se em liberal para contar com Paulo Guedes no ministério. Por causa dele, conseguiu convencer uma boa parcela dos eleitores a dar seu voto, na presunção de que seguiria as instruções do Posto Ipiranga.

Hoje, às vezes esquece-se de consultá-lo. Autoritário, tem que negociar com o Congresso, como manda o pragmatismo político, mas também tem que manter a imagem de um político que não se coaduna com o ambiente parlamentar corrompido.

O qual, diferentemente do que diz, sempre freqüentou, sem denunciá-lo nem rejeitá-lo. Pelo contrário, o presidente que hoje defende a redução do número de deputados na Câmara Federal de 513 para 400, e uma reforma política onde está implícita a cláusula de barreira para enxugar a máquina partidária, freqüentou nada menos que nove partidos:PDC (1989-1993);PP (1993–1993);PPR (1993–1995);PPB (1995–2003);PTB (2003–2005);PFL (2005–2005);PP (2005–2016);PSC (2016–2018) e PSL (2018–presente).

Quase foi para o PEN (Patriotas), mas na última hora achou que não teria a legenda para disputar a presidência da República e fechou com o PSL. Que não deve ser a última legenda do presidente, pois ele já revelou em conversas com aliados, que anda descontente com o partido e pretende trocar mais uma vez.

Em entrevista recente, disse que botou “qualquer um” para formar o PSL. Agora está incomodado com os problemas que o PSL lhe traz, especialmente a questão dos “laranjas”. Mas não demite o ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antonio, que comandava o partido em Minas e é acusado de ter usado várias candidatas para desviar dinheiro de campanha.

Ontem, desmanchou-se em elogios ao presidente da Câmara Rodrigo Maia, a quem chamou  de “nosso presidente”. O mesmo que, nas manifestações bolsonaristas apareceu com os bolsos cheios de dinheiro e referências a delações de supostos crimes eleitorais.

Cenas de críticas explícitas a Rodrigo Maia foram enviadas a ele por meio das redes sociais controladas pelo vereador Carlos Bolsonaro.

O presidente tem uma vantagem, pelo menos:  fala mal na frente do aliado, assim como fala por trás. Mas às vezes elogia pela frente e fala mal por trás, como é o costume em Brasília.

Bolsonaro ontem se dedicou a uma sessão nostálgica na Câmara, afirmando “ter saudades” de seu tempo de deputado federal: “Fiquei por 28 anos (na Câmara), tive momentos muito felizes aqui dentro, e (tenho) saudades de vocês. [Essa relação] fortalece a nossa democracia. Agradeço a recepção e aproveito para dizer que o Parlamento é meu e a Presidência é de vocês.”.

Bolsonaro foi à Câmara levar pessoalmente o projeto que anistia multas de trânsito e amplia os limites para multas e perda de pontos na carteira. Falta de cadeirinha de bebê, por exemplo, não merece mais multa, apenas uma observação por escrito. Com o intuito de educar o motorista, alegam.

Fora os projetos defendidos arduamente no Congresso pelos ministros Paulo Guedes e Moro, que dão rumo a esse governo, o presidente gasta seu tempo defendendo questões laterais, que agradam a seus nichos eleitorais.

O fim dos radares, a flexibilização das leis de proteção ao meio-ambiente, a ampliação da posse e porte de armas, tudo é cumprimento de promessas de campanha eleitoral.

A Câmara está se aliando a Paulo Guedes para aprovar uma agenda que devolva ao país a capacidade de crescimento econômico. Relação que está provocando ciúmes em Bolsonaro. E fazendo com que o presidente se aproxime de Rodrigo Maia.

O Globo

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