Bolsonaro reina, mas não governa (por Marcus André Melo) – Heron Cid
Bastidores

Bolsonaro reina, mas não governa (por Marcus André Melo)

4 de junho de 2019 às 15h00
O presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira/Folhapress

​O pacto entre os Poderes proposto por Bolsonaro obviamente não representa pacto em seu sentido forte. Pacto para valer exige compromissos críveis e não apenas declarações. Mas, com a iniciativa, Bolsonaro recolhe a tropa e centra em agenda positiva, o que pode ter consequências. O timing do anúncio —após manifestações de apoiadores— é revelador da estratégia perseguida.

Bolsonaro “reina, mas não governa”: mantém-se formalmente à frente da Presidência, conta com o apoio forte de um quarto do eleitorado, mas não aprova sua agenda de reformas.

Pacto entre Poderes Executivo e Legislativo tem nome: presidencialismo de coalizão. Rodrigo Maia foi ao ponto: pacto com o Legislativo é pacto com os partidos. Já um pacto envolvendo o Judiciário é um oxímoro: equivale a uma impossível renúncia ao seu papel como árbitro entre poderes.

Na corte cada ministro é uma ilha: não há pacto possível se todos têm poder de veto. O presidente do STF fala apenas como formador da agenda: ele pode mitigar obstrucionismos. Faz sentido.

A autocontenção visa conter custos políticos decorrentes do hiperprotagonismo do Judiciário, para o que contribuiu a atuação do STF em processo de impeachment e como corte criminal em contexto de escândalos ciclópicos de corrupção. Os ataques que a instituição tem sofrido no atual governo resultam deste papel, mas com o sinal político trocado.

É trivial reconhecer que o Poder Judiciário cumpre papel político crucial em regime presidencial, mas não no parlamentarismo. Há fortes evidências quantitativas neste sentido. Neste último, a soberania parlamentar é princípio organizador e é sempre invocada contra interferência das cortes superiores (o que explica a inexistência ou fraqueza da revisão judicial em países como Inglaterra ou França. Ou protagonismo de qualquer natureza).

Afonso Arinos já apontava o fenômeno há 70 anos: “Para o parlamentarismo, a liberdade marcante da democracia é a política, e sua trincheira o Parlamento. Para o presidencialismo a liberdade marcante é jurídica, e sua trincheira, o Judiciário”.

E já houve quem defendesse o presidencialismo, como Levi Carneiro, porque nele o Judiciário equilibra os Poderes, enquanto “no parlamentarismo o conflito de Poderes resolve-se pela preponderância de um deles: ou a Câmara destitui o governo, ou o governo dissolve a Câmara… com critério exclusivamente político no sentido vulgar, isto é subjetivo, sem intervenção judiciária”.

A demanda por “intervenção judiciária” —ou arbitragem constitucional— só tende a aumentar em nossa democracia presidencial, mas ela se exacerba pelo unilateralismo do governo e forte polarização.

Folha

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