Trump entre duas guerras (por Míriam Leitão) – Heron Cid
Bastidores

Trump entre duas guerras (por Míriam Leitão)

14 de maio de 2019 às 14h00
O presidente Donald Trump acena em jardim da Casa Branca - Olivier Douliery/AFP

O presidente Donald Trump escalou o conflito comercial com a China bem na hora que ele mais precisa. Sua Presidência enfrenta uma guerra aberta com a Câmara dos Deputados, com a disputa eleitoral de 2020 já em andamento. A Casa Branca está bloqueando o acesso dos diferentes comitês a informações do governo. Algumas questões estão sendo discutidas na Justiça. Neste momento, um inimigo externo é muito útil. E ele cria outra zona de interesse para o noticiário. Piorou no fim do dia quando o USTR (Departamento de Comércio dos EUA) fez o primeiro movimento para tarifas sobre mais US$ 300 bilhões.

O conflito comercial atingiu um patamar inédito porque, desta vez, houve uma reação imediata e forte dos chineses, que anunciaram retaliação. As bolsas americanas desabaram. Os índices S&P e Dow Jones caíram 2,4%, e o Nasdaq despencou 3,4%. Aqui, o Ibovespa caiu 2,7% e o dólar bateu em R$ 4,00 ao longo do dia. Houve aumento de percepção de risco global.

Na avaliação de Gabriel Petrus, diretor-executivo da International Chamber of Commerce (ICC) no Brasil, o que assustou desta vez foi a reação chinesa. Desde que a guerra comercial teve início, em fevereiro do ano passado, os chineses sempre retaliaram com um certo atraso, sem movimentos abruptos, tentando esgotar os canais de negociação. Desta vez, a resposta foi rápida:

— Estamos no ponto mais alto de tensão entre China e EUA. Hoje (ontem) foi o pior momento desde que a guerra comercial se iniciou no último ano. As negociações não avançaram em dois pontos que são exigência dos americanos, mas são muito sensíveis para o governo chinês: o controle sobre as empresas estatais chinesas e as questões envolvendo propriedade intelectual — explicou.

A decisão do USTR foi a ameaça de resposta de Trump à resposta chinesa. Independentemente das questões envolvidas nesta disputa entre as duas maiores economias do mundo, o fato é que a situação política dos Estados Unidos pode ter sido o principal fator que levou Trump a disparar seus tuítes bélicos sobre a China. Esta semana a Justiça vai se pronunciar sobre duas questões. Hoje será sobre se ele pode rejeitar uma intimação solicitando registros financeiros da empresa que cuida de sua contabilidade pessoal. Na sexta-feira, esgota-se outro prazo sobre pedidos de dados a respeito das devoluções de imposto de renda.

Mas há dezenas de outros requerimentos de informação sobre políticas públicas. Isso sem falar no pedido de acesso ao relatório completo sobre as investigações da suposta interferência russa no processo eleitoral americano. O governo de Trump está reagindo da mesma forma diante dos questionamentos sobre políticas públicas e decisões de agências nas áreas de energia, meio ambiente, saúde, comércio, proteção ao consumidor. As respostas dos pedidos do Congresso são bloqueadas, funcionários são impedidos de prestar depoimentos, documentos são sonegados.

A avaliação dos economistas é que os dois países perdem com a escalada da guerra comercial. Haverá uma redução do crescimento do PIB dos dois lados, com força para provocar uma desaceleração global. Por outro lado, a economia americana está crescendo, com baixo nível de desemprego. O setor mais diretamente atingido é o agrícola. Trump ontem voltou a prometer elevar os subsídios. Se elevá-los, isso distorce o mercado de commodities e nos afeta. O Brasil também é fornecedor destes mesmos produtos, como a soja, por exemplo, para a China e terceiros mercados.

A avaliação que pode estar sendo feita por Trump é que a economia tem musculatura para aguentar a turbulência, enquanto ele fica em evidência para dizer coisas como a que disse em um tuíte de ontem. Que os outros governantes não defenderam devidamente os Estados Unidos da exploração comercial chinesa.

A economia chinesa de fato tem distorções provocadas pelo estatismo e um sistema opaco de subsídios, que fere as regras do comércio internacional

— A China tem um mercado consumidor de 1 bilhão de pessoas. E usa isso para conseguir transferência de tecnologia de empresas que querem explorar esse mercado. A medida é condenada por várias entidades internacionais, como a OMC — diz Petrus.

Tendo ou não razão na área comercial, a maneira brusca como Trump escalou o conflito desta vez mostra que ele está mais interessado nos efeitos políticos internos.

O Globo

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