Riscos e erros da política externa. Por Míriam Leitão – Heron Cid
Bastidores

Riscos e erros da política externa. Por Míriam Leitão

2 de abril de 2019 às 17h00
Presidente Jair Bolsonaro e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu Ronen Zvulun/ Reuters - 31.03.2019

O governo Bolsonaro não tem uma política externa. Não a formulou ainda. O filho do presidente faz sombra ao chanceler, que se ocupa com revisões delirantes da História. Nesse contexto, Bolsonaro vai viajando e improvisando pelo caminho numa área sensível e com ligação direta com a economia. Os militares e a ministra da Agricultura têm atuado como moderadores para evitar o pior, enquanto o ministro das Relações Exteriores se comporta como se estivesse numa cruzada mística na luta entre o bem e o mal.

Tomar decisões de política externa com base em ideologia, qualquer que ela seja, é o caminho mais curto para errar. Fiz esse mesmo tipo de crítica ao governo Lula em inúmeras colunas. Quando ele foi a Trípoli, em 2003, visitar o ditador Muamar Kadafi, eu escrevi neste espaço que era uma viagem sem propósito, pé e cabeça. O tempo provou que foi um equívoco. Os erros foram vários e aqui sempre criticados. Em alguns casos, deixaram contas para serem pagas pelo país. Agora o que se vê no governo Bolsonaro é a mesma insistência em fazer uma diplomacia ideológica.

No caso da viagem a Israel, Bolsonaro está conseguindo desagradar todos os lados e ainda entrar na disputa eleitoral, sendo usado pelo primeiro-ministro Bibi Netanyahu. Qual o sentido de uma viagem nove dias antes de uma disputa eleitoral? Se o premier israelense vencer, teria sido melhor ir depois. Se perder, Bolsonaro terá feito o mesmo que fez nos Estados Unidos, escolher um lado na política interna do país visitado. No caso dos Estados Unidos, é um erro com graves repercussões no cenário de um governo democrata em 2020.

Bolsonaro não abriu a embaixada em Jerusalém, como prometeu. Apenas um escritório, e assim decepcionou o anfitrião, que queria isso como trunfo eleitoral. O Brasil é um país grande. Até agora só a Guatemala seguiu a política americana de trocar a cidade da embaixada. Os palestinos reagiram a Bolsonaro, mas como houve decepção do seu anfitrião, ele voltou a prometer que a mudança virá no futuro. O que pode afetar o comércio com os árabes. O presidente improvisa em política externa, questão em que todos os passos têm que ser bem pensados.

As declarações pouco amistosas feitas em relação à China podem ter efeitos no comércio exterior. Os chineses falam pouco e mostram seu desagrado em ações concretas. O problema é que eles são grandes para nós. A China comprou 86% da soja que o Brasil exportou no ano passado e 50% de todas as vendas da Vale.

Na cruzada mística do chanceler, o Brasil tem que se unir aos Estados Unidos para “salvar a civilização cristã” de ameaças como a China. No mundo real, onde as coisas acontecem e negócios são feitos, a China é o maior parceiro dos Estados Unidos e nosso competidor em vários produtos.

— A gente pode ser surpreendido com impactos econômicos em relação à China. As declarações feitas pelo governo são meio gratuitas, e nelas não se consegue ver qual é o nosso interesse — disse um diplomata.

Na ida a Washington, o amadorismo fez o Brasil exagerar na retórica adesista e isso já provocou um episódio estranho. O secretário de Estado, Mike Pompeo, ao condenar a presença russa na Venezuela, na semana passada, disse que falava em nome dos aliados da América Latina. Um experiente diplomata, ainda na ativa, explicou o problema:

— A presença russa merecia ser criticada, mas nós não precisamos de que os Estados Unidos sejam o nosso porta-voz para tratar de questões na América Latina.

Não há até agora qualquer ideia do que seja a política externa em relação à região. Sabe-se que mudanças serão feitas no Mercosul, mas quais serão essas alterações não se sabe. Tudo o que o presidente fez até agora, que foi notado, foi a constrangedora defesa dos ditadores Alfredo Stroessner, no Paraguai, e Augusto Pinochet, no Chile.

Nos órgãos internacionais, o Brasil se isola e toma posições exóticas. No dia 22, em Nova York, na conferência sobre a mulher da ONU, o representante brasileiro fez ressalva a vários trechos do texto. O Brasil criticou, por exemplo, o ponto que dizia ser preciso “garantir à mulher acesso universal a serviços de saúde sexual e reprodutivos”, porque considerou que isso era uma alusão ao aborto. São ridículas as posições que o Brasil vem adotando em órgãos multilaterais. E isso sem falar nos delírios do ministro Ernesto Araújo com o tal “esquerdismo” de Hitler.

O Globo

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