O tempo passou e só Bolsonaro não viu. Por Ricardo Noblat – Heron Cid
Bastidores

O tempo passou e só Bolsonaro não viu. Por Ricardo Noblat

28 de março de 2019 às 10h30
Tem nada de mais ultrapassado, encardido e digno de um cérebro mofado do que acenar com o fantasma do comunismo que ameaçaria o futuro do mundo? Do que chamar de revolução democrática o que de fato foi um golpe de Estado? E do que lembrar como se louváveis fossem os 21 anos de ditadura militar que infelicitaram o país?

O tempo passou e só as Carolinas não viram. Nem mesmo os remanescentes do golpe de 64, a sofrer os achaques da velhice, insistem em chamar de revolução o que não passou de uma quartelada. E se dependesse dos atuais chefes militares, nada seria lembrado a respeito de algo que eles mesmos prefeririam esquecer.

Jair Bolsonaro tem um problema que é só dele, mas que contamina as ações do presidente Jair Bolsonaro. Nos idos de 64, as Forças Armadas expulsaram dos seus quadros 6 mil militares que se opuseram ao golpe. Mas depois do fim da ditadura, poucos foram os expulsos por indisciplina e deslealde, e Bolsonaro foi um deles.

Rejeitado por seus superiores sob a acusação de conduta antiética, Bolsonaro jamais soube lidar com isso. Nos quase 30 anos seguintes, como vereador e deputado federal, foi uma diligente vivandeira de quartel na tentativa que pareceu a princípio inócua de agradar aos que dele queriam distância.  E até hoje quer agradá-los.

Mas um capitão que jamais despertou admiração entre os seus será sempre um capitão de triste memória, por mais que tenha se elegido presidente da República e, como tal, comandante das Forças Armadas. Bolsonaro agrada a tropa quando emprega no governo militares da reserva, e uns poucos da ativa. No mais, só a preocupa.

Ontem, ele voltou a disparar um absurdo já repelido pela gente de farda, só que desta vez foi mais direto e agressivo. Em entrevista a Luiz Datena, apresentador da Rede Bandeirantes de Televisão, em meio a outras declarações igualmente controversas, Bolsonaro disse:

– Em qualquer país do mundo, em última análise, quem decide se vai ser democracia ou ditadura são as Forças Armadas. Não vai ser a Ordem dos Advogados do Brasil, não vai ser o Conselho Federal de Medicina, não vai ser a Confederação Nacional da Indústria.

Essa não é só uma afirmação de quem nunca leu um livro que preste, e se leu nada reteve. Ela tampouco se deve à suposta esperteza de um líder político que aposta no conflito permanente e de alta voltagem como meio de sobreviver. É uma afirmação de quem se recusa a viver sob as regras que orientam o Estado de Direito. Aí reside o perigo.

No Congresso, no Judiciário e até mesmo em áreas não marcadamente ideológicas do governo é consenso que Bolsonaro está aquém do que seu cargo exige. Haverá de se aturá-lo porque uma das cláusulas pétreas da democracia cobra respeito ao resultado das eleições. Nada impede, porém, que ele cave seu próprio buraco.

A ex-presidente Dilma Rousseff cavou o dela quando perdeu as mínimas condições de governar. Antes de Dilma, e pelo mesmo motivo, Fernando Collor de Mello, o caçador de marajás. Bolsonaro nada parece ter aprendido com o que viu acontecer desde que pisou pela primeira vez nos acarpetados salões do Congresso.

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