Temer e os riscos da Lava-Jato. Por Míriam Leitão – Heron Cid
Bastidores

Temer e os riscos da Lava-Jato. Por Míriam Leitão

22 de março de 2019 às 10h00

A Lava-Jato tem uma grande capacidade de renascer das cinzas, mas ela só sobreviverá se não estiver ligada a grupo político. Nos últimos dias a operação viveu mais um dos seus prenúncios de morte. Ganhou sobrevida com a prisão do ex-presidente Michel Temer. Não por prendê-lo, mas porque os investigadores conseguiram comprovar que o faziam baseados em fortes indícios, como uma tentativa de depósito de R$ 20 milhões em dinheiro vivo na conta da Argeplan, empresa do coronel Lima.

Que Michel Temer seria preso ninguém tinha dúvidas. Afinal, ele é alvo de 10 inquéritos que correm na Justiça Federal de Brasília, São Paulo, Rio e na Justiça Eleitoral. A conversa entre ele e o empresário Joesley Batista, no Jaburu, divulgada por este jornal no dia 17 de maio de 2017, chocou o país e dividiu seu governo ao meio. Na segunda metade ele abandonou projetos como a reforma da Previdência e usou todo seu poder político para impedir que fossem adiante as denúncias da Procuradoria-Geral da República contra ele no Congresso. A dúvida sobre Temer era quando ele seria preso e em que inquérito. A surpresa foi a ordem ter partido de Marcelo Bretas. A ironia é ele estar agora na PF no Rio, que fica na região portuária da cidade.

Bretas construiu sua decisão com recados de endereço certo. Lembrou que não era desdobramento da Operação Calicute, mas sim da Operação Radioatividade, por propinas pagas em Angra 3. E se baseava na delação de José Antunes Sobrinho, da Engevix. Quem protocolou a delação da Engevix foi o ministro Luis Roberto Barroso. Quem cuida da Radioatividade é o ministro Edson Fachin. Fosse a Calicute, o caso iria para Gilmar Mendes. Outro recado é que Temer não estava sendo preso por crime ligado a caixa dois e usou para confirmar isso a palavra do próprio ex-presidente, que, em depoimento, garantiu que o coronel Lima nunca arrecadou dinheiro para suas campanhas.

A última dúvida que desabou sobre a Lava-Jato foi a decisão por 6 a 5 determinando que os crimes relacionados ao caixa dois sejam destinados à Justiça Eleitoral. Ela tem menos estrutura para julgar crimes complexos como os que se escondem atrás do dinheiro não declarado de campanha. A pequena maioria mostrou que até o STF tem dúvidas sobre a decisão que, de tão controversa, produziu uma onda de críticas à corte suprema do país.

Nessa onda surfou o grupo político do presidente Bolsonaro, tentando de novo manipular politicamente a luta contra a corrupção, em manifestações e agressões nas redes, como fez durante a campanha eleitoral. Nenhum grupo político, muito menos o do atual governo, é dono desta luta, porque no dia que for, aí sim, acabou a Lava-Jato. O fato de o ex-juiz Sérgio Moro ter virado ministro não deu ao governo um selo de qualidade.

A reação do STF às críticas que recebeu não ajudou a reestabelecer o equilíbrio. O inquérito que foi iniciado por ordem do ministro Dias Toffoli, as ofensas gritadas pelo ministro Gilmar Mendes contra procuradores, a ideia ruim do MP em Curitiba de ter uma fundação para gerir uma parte do dinheiro recuperado pela Lava-Jato. Tudo foi criando um ambiente de crise institucional.

Por isso, a prisão de ontem foi entendida como forma de a Lava-Jato sair do córner e dar uma resposta ao Supremo. Se foi esta a intenção, é o caminho mais curto para o próprio fim. Se procuradores, investigadores, e até juízes se deixarem dominar por um lado da política brasileira, se acharem que têm que traçar armas com a cúpula do Judiciário, a operação estará realmente condenada.

Os procuradores e policiais federais no Rio mostraram uma lista grande de motivos que os levaram a pedir a prisão do ex-presidente. Não foi apenas a palavra do delator. Houve fatos como a tentativa, no final do ano passado, detectado pelo Coaf, de um depósito de R$ 20 milhões em espécie na conta da empresa Argeplan. Ela é do coronel Lima, paga a conta de um telefone usado por Temer. Não tem funcionários nem capacidade técnica, mas ganhou concorrência na usina nuclear de Angra 3. Há comprovantes bancários, troca de e-mails, ligações telefônicas. Há fartura de indícios. E, segundo procuradores, riscos de, neste tempo de modernidade tecnológica, quantias serem transferidas, provas serem apagadas. Alguns fatos são conhecidos, outros são novos. O importante é que Michel Temer seja investigado e julgado de acordo com as provas e as leis. Não pode ser um peão na briga que divide algumas das instituições no Brasil.

O Globo

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