Zum, zum, zum, está faltando um. Por José Nêumanne Pinto – Heron Cid
Bastidores

Zum, zum, zum, está faltando um. Por José Nêumanne Pinto

6 de fevereiro de 2019 às 11h00
Léo Pinheiro, executivo da OAS, é conduzido pela Polícia Federal durante operação Greenfield e faz exame de corpo delito no IML de Curitiba - 05/09/2016 (Vagner Rosário/VEJA.com)

A delação premiada de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS ─ depois de dois anos e meio de negociações, atraso provocado pela citação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF, Dias Toffoli, com a Procuradoria-Geral da República (PGR) ─ foi finalmente fechada e enviada para homologação do relator da Lava Jato, Edson Fachin. O delator resistiu a entregar o velho amigo Lula, mas terminou se tornando um dos principais responsáveis pela condenação deste na ação do apartamento no Guarujá. E voltou a protagonizar outro caso, sobre o sítio Santa Bárbara, em Atibaia.

A importância dessa delação é grande, pois, além do ex-presidente, foram citados deputados, membros do Judiciário e ex-dirigentes de fundos de pensão. Dias Toffoli, contrariando a notícia de que dela constaria, segundo nota da revista Veja, que havia vazado essa informação, agora pode dormir em paz, pois não foi mencionado. Pelo visto, os advogados do empresário, assim como os que se recusaram a representar Sérgio Cabral, não querem conflitos com os figurões dos tribunais superiores. De qualquer maneira, ela vai jogar mais luz sobre a lama de corrupção, que impregnou o Estado brasileiro como uma espécie de metáfora dos vazamentos das represas da Vale em Mariana, há três anos, e de Brumadinho, em 25 de janeiro último.

É que o executivo da empresa baiana OAS delatou a existência de um mercado persa no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele contou que pagou propina ao ministro do STJ Humberto Martins para dificultar decisão desfavorável aos interesses de sua empresa. Com a intermediação de Renan Calheiros, a OAS teria entrado em contato com o filho do ministro, que teria pedido R$ 10 milhões por uma decisão favorável à construtora, após uma barganha ─ e daí a comparação com o estilo de um mascate persa ─ que baixou a gorjeta para dez vezes menos, R$ 1 milhão, quantia finalmente paga, em grande parte, em dinheiro vivo.

O escândalo ganhou dimensões maiores pelo fato de hoje Humberto Martins ser corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A preocupação do filho do ministro e da OAS era driblar a ministra Eliana Calmon, que então ainda não havia se aposentado. À época, ela constatara o que chamou de “bandidos de toga”. Agora ela se tem mostrado muito furiosa. Em conversas com amigos, desfiou uma coleção de xingamentos impublicáveis ao saber dos termos do citado depoimento. Porque nele o indigitado afirma que o valor foi pago para que o ministro protelasse o julgamento até a saída dela do tribunal ─ no STJ e na empresa todos davam como certo que ela, àquela altura prestes a se aposentar, votaria contra os interesses da empreiteira. O corregedor negou a acusação. Outros ministros do tribunal afirmam que o caso não foi o único em que a ausência de Eliana em julgamentos teria virado moeda de troca para colegas. Certo é que fica difícil contestar a frase dela. Comprovam-no “a farra dos guardanapos” promovida pelo ex-governador do Rio Sérgio Cabral em Paris e um convescote em Nova York, com ministros do Supremo e almoços do “Arnoldo”.

Pelo que foi desvendado pela Operação Lava Jato, o Partido dos Trabalhadores (PT) dispunha de um sistema paralelo para escapar dos controles do Estado, operado por seus fornecedores, executivos de empresas privadas. Seria o caso de chamá-lo de Sistema Brasileiro de Corrupção. Desse tal SBC faziam parte os departamentos de propinas das empreiteiras Odebrecht, Andrade Gutierrez e OAS, entre outras. Tais departamentos eram administrados por dirigentes de seus altos escalões e tinham nomes pomposos para disfarçar sua verdadeira função. O da Odebrecht foi intitulado de Setor de Operações Estruturadas e o da OAS, de Controladoria. O esquema monumental  contava com bancos à margem do controle nacional e internacional e a polícia na distribuição da propina. O PT fez “parceria público-privada” para a corrupção. O desvio de recursos para o partido era feito pelo sistema financeiro clandestino e ilegal, que era alimentado pelo Estado, pelas estatais e pelos fundos de pensão. Era uma engrenagem criada pelo partido de Lula e Dilma para financiar a sua perpetuação no poder.

A Odebrecht comprou um banco em Antígua, paraíso fiscal no Caribe, o Meinl Bank Antique, com o objetivo exclusivo de operar propinas. Segundo um delator da empreiteira baiana, foi movimentado US$ 1,6 bilhão nesse banco. Só recentemente a ilha de Antígua começou a se adaptar às regras internacionais de controle de capitais. Conforme depoimentos de 78 funcionários da empresa, esta montou uma “conta corrente” para Lula gastar como bem entendesse.  Até a polícia era usada para entregar dinheiro vivo, como o Estado publicou em primeira mão.

A OAS enveredou pelo mesmo caminho. O seu departamento de propinas, a tal Controladoria (que disfarce, hein?), passou R$ 200 milhões todo ano para burocratas das estatais e chefões de partidos, até ser flagrado na Lava Jato. Léo Pinheiro contou que a fonte de recursos eram os parceiros da OAS, o BNDES e os fundos de pensão.

No BNDES o esquema de lavagem de dinheiro sujo usava países cujas obras o banco público financiou, como Venezuela, Cuba e algumas ditaduras da África. Esses países não são signatários dos acordos de controle da lavagem de dinheiro. Por isso os recursos do Estado eram triangulados por eles para, por intermédio das partes privadas, chegarem ao PT, sem o risco de acender sinais de alerta do sistema de controle de lavagem de dinheiro.

Outra fonte de abastecimento desse propinoduto eram os fundos de pensão, por meio das empresas que controlavam, como a Sete Brasil, uma filial do esquema que ficou conhecido como petrolão e foi criada com o objetivo de ajudar na corrupção. Além de prédios da Odebrecht, cuja compra pela Previ foi intermediada pelo ministro da Fazenda de Dilma, Guido Mantega, com repasse, em contrapartida, de R$ 27 milhões para o PT. Simples assim!

Léo Pinheiro também ligou Lula e a supertele Oi ao filho do ex-presidente, o “Ronaldinho” da Gamecorp.  Esse assunto foi tratado no livro Sócio do Filho: A verdade sobre os negócios milionários do filho do ex-presidente Lula, de Marco Vitale, executivo da empresa de Jonas Suassuna, sócio de Lulinha e alegado dono do sítio de Atibaia. “Tudo muito conveniente. Em novembro de 2008, o presidente Lula assinou o decreto que mudava o Plano Geral de Outorgas, que permitiu à Oi comprar a concorrente Brasil Telecom. Uma dívida de gratidão que seria paga pela operadora de telefonia por meio de contratos com a Gol, o laranja da vez de Lulinha e dos irmãos Bittar.”

Em resumo, em 2016 a supertele Oi entrou em recuperação judicial, a maior da História do Brasil. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que não viu a manada de elefantes passar, vai agora, responsabilizar 30 acusados, entre esses, a Andrade Gutierrez, Jereissati, Portugal Telecom, BNDESPar e os fundos de pensão. A delação de Palocci joga luz nessa blindagem da CVM.

Pelo visto, a chapa vai esquentar muito ainda! Pois a delação de Léo Pinheiro poderá levar de roldão, além de membros do Judiciário, Lula, Dilma, e o presidente da Previ à época da supertele, Sérgio Rosa, encalacrado na Operação Greenfield por ter recebido “vantagem pecuniária indevida da OAS para que a Previ realizasse investimento no interesse da OAS, na empresa Invepar.”

Ainda não entraram no foco dos holofotes a compra de votos dos eleitores e os que estão pagando para não ser delatados. Ou seja, as tais omissões premiadas. O autor destas linhas apurou que existe um mercado paralelo dessa espécie de amnésia remunerada em andamento e com envolvimento de autoridades. Só que nem tudo é perfeito e o recente depoimento do motorista de Palocci, Carlos Pocente, furou o esquema. A Coluna do Estadão revelou que Pocente declarou ter levado Palocci em diversas oportunidades a dois grandes bancos. E o o ex-ministro nada falou sobre isso em sua delação, o que o torna suspeito de ser um importante delator premiado, mas também uma figurinho carimbada no jogo do prêmio em dinheiro pago pelo esquecimento de algum figurão.

Neste panorama, também não se deve esquecer o sumiço da advogada Beatriz Catta Preta, responsável por nove das 18 delações premiadas, nos primórdios da Lava Jato. Segundo o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, Beatriz disse, em depoimento feito aos investigadores da Lava Jato, que se sentiu ameaçada pelo doleiro Lúcio Funaro, que tentou forçar a barra para Eduardo Cunha, o Caranguejo da Odebrecht, não ser citado nas delações que Beatriz negociava.

Convém ainda recordar a delação premiada de Orlando Diniz, assunto de meu texto publicado neste blog sob o título Ainda a roubalheira do PT. Nele cito a informação publicada no site O Antagonista de que “ministros de tribunais superiores têm trocado figurinhas sobre o desenrolar do acordo de delação premiada de Orlando Diniz, ex-presidente da Federação do Comércio do Rio de Janeiro (Fecomércio), acusado de haver despejado dinheiro em escritórios de advocacia ligados a alguns colegas de toga, especialmente do Superior Tribunal de Justiça.” Há quem veja sinais de estar em curso uma articulação para que Diniz poupe, em seus depoimentos, figuras estreladas das mais altas e colendas Cortes com sede no Planalto Central do Brasil.

E, por fim, é importante considerar de muito relevante necessidade a delação a ser tomada de Sérgio Cabral, que na certa delatará membros do Judiciário. O Brasil  precisa ser passado a limpo nos três Poderes, e não apenas em dois: Executivo e Legislativo. Imaginar que o Judiciário seja um convento de carmelitas descalças, com a fama que tem e a importância do que resolve, é esperar pela rena de Papai Noel em pleno reinado de Momo. Pelo menos até agora o noticiário sobre delações e que tais está lembrando a letra jocosa daquela marchinha de carnaval que foi sucesso na voz de Dalva de Oliveira: Zum, zum, zum, zum, está faltando um. E ainda pode ser encontrado nos sebos algum exemplar em bom estado de um grande sucesso da reportagem nos anos 50, Falta alguém em Nuremberg, do repórter da revista O Cruzeiro David Nasser. Pois é.

Estadão

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