Mais ciência, menos ideologia. Por Antônio Gois – Heron Cid
Bastidores

Mais ciência, menos ideologia. Por Antônio Gois

26 de novembro de 2018 às 11h30

Num texto que publicou assim que seu nome apareceu entre os cotados para o cargo, o futuro ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, disse que os brasileiros haviam se tornado reféns de um sistema de ensino “afinado com a tentativa de impor, à sociedade, uma doutrinação de índole cientificista e enquistada na ideologia marxista”. Suas primeiras manifestações desde que foi anunciado também vão na mesma linha, o que só confirma que a escolha de Bolsonaro foi coerente com seu discurso de campanha e com os interesses da bancada religiosa e conservadora, as principais apoiadoras do Escola Sem Partido. Quando assumir o cargo em 1o de Janeiro, porém, suas ideias estarão expostas ao inevitável choque de realidade. Até lá, ele terá que formular também propostas mais concretas para os verdadeiros problemas educacionais do Brasil.

aversão ao contraditório e a falta de diversidade de pensamento em muitos ambientes acadêmicos brasileiros são sem dúvida pontos de atenção, e talvez tenham mesmo contribuído para o emburrecimento de uma parcela significativa da esquerda e da direita do país. Mas não há evidência sólida, no Brasil ou no mundo, de que isso seja a causa do baixo aprendizado em matemática, linguagem ou ciências na educação básica. Aliás, os alunos que apresentam o melhor desempenho em testes internacionais nessas disciplinas na América Latina são aqueles que vivem na ditadura comunista cubana. Isso obviamente não justifica e nem prova que a doutrinação em sala de aula seja boa. É apenas um exemplo de que as razões de nosso fraco desempenho educacional estão muito longe desse debate.

As evidências científicas mostram, por exemplo, que os jovens que hoje procuram cursos de formação de professores são aqueles que apresentam menor desempenho no Enem e em outros exames de ingresso para o ensino superior, um sinal claro de baixa atratividade da carreira docente. Há também estudos que indicam que a formação que recebem na universidade dialoga pouco com os desafios que vão encontrar em sala de aula.

Além da baixa atratividade e da má formação, é grande a chance de os professores mais inexperientes e menos preparados acabarem dando aulas nas escolas mais vulneráveis, e nas turmas mais desafiadoras. E essas escolas que atendem aos alunos que mais precisam são também àquelas que recebem menos recursos, humanos e financeiros.

Evidências científicas nem sempre são conclusivas, mas há alguns temas em que elas são incontestáveis. Por exemplo, uma das maiores causas de evasão dos 15 a 17 anos é a gravidez precoce, daí ser péssima a ideia de negar aos jovens (não estamos falando de crianças pequenas) o direito a uma educação sexual. Também é farta a evidência de que a reprovação não leva ao aprendizado e aumenta as chances de evasão, fatos que mostram que proibir a partir de uma lei vinda de Brasília os municípios e Estados de adotarem políticas de ciclo tende a piorar um problema que já é grave.

Em seus textos preliminares, Vázquez acerta ao identificar que os municípios, responsáveis por 48% das matrículas na educação básica, precisam ser fortalecidos. Por isso será tão importante no ano que vem que o MEC mobilize o Congresso para tornar permanente o Fundeb, hoje o mais importante instrumento de financiamento da educação básica. A lei que o criou vence em 2020, e será fundamental buscar critérios mais justos e sustentáveis de distribuição de recursos entre os entes federativos.

Não ficou claro até agora o que o futuro ministro quer dizer quando cita o problema da “doutrinação de índole cientificista”. Tomara que não signifique um desprezo à ciência, pois, para atacar as reais causas de nossa baixa aprendizagem, o melhor caminho é pautar o debate a partir de evidências científicas.

O Globo

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