E se Bolsonaro acabar fazendo, por distração, um bem ao país? Por Reinaldo Azevedo – Heron Cid
Bastidores

E se Bolsonaro acabar fazendo, por distração, um bem ao país? Por Reinaldo Azevedo

26 de outubro de 2018 às 10h00
Manifestantes escrevem "Fora FHC" com velas acesas, em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília - Lula Marques-26.jun.2001/Folhapress

E se Jair Bolsonaro (PSL) fizer, por distração, um bem ao país? “Olhem o Reinaldo a flertar com o capitão…” Calma! Não há chance de eu me deixar seduzir por pisadelas, beliscões e truculência. Todos sabem o que penso sobre a candidatura de Bolsonaro. Expus de forma um pouco mais detida, em artigo na Ilustríssima, a repulsa que me causam parte de sua agenda, o modo como ele a apresenta e os sentimentos que mobiliza.

Não está, no entanto, em formação, observei, um movimento “fascista”. Rejeito o emprego da palavra como metáfora ou xingamento. Há, sim, valores inequivocamente fascistoides no conjunto da obra. Refuto que o candidato possa ser visto como expressão do liberalismo, ainda que o significado dessa palavra se esgotasse em uns tantos pressupostos econômicos. Gosto da ideia de que a economia, assim como a matemática, não é moral. Mas as pessoas são.

Ainda que o candidato encarnasse a totalidade do meu ideário pessoal para as relações de troca e as questões distributivas, não poderia, como jornalista com senso de decoro ao menos, condescender com uma candidatura que, a um só tempo, acusa o adversário de querer controlar a imprensa —de fato, o PT tentou fazê-lo no passado e volta a flertar com a ideia no presente—, mas ameaça, uma vez no poder, cortar verba publicitária de veículos de comunicação não-alinhados.

Se Bolsonaro se dispusesse a pôr fim à publicidade oficial, qualquer uma, seria uma escolha moral, certa ou não. Ocorre que ele está apenas a estabelecer critérios idiossincráticos para a imoralidade. Essa campanha eleitoral está tirando muitos demônios do armário. Os que carregam o invejável gene do otimismo poderiam até dizer: “Tanto melhor! Se algumas barbaridades residiam no fundo das consciências, que venham à luz”. Eu, de minha parte, prefiro que o lodo fique nas profundezas. Como ensina Dante. Ou J.K.Rowling. Potter.

Em seu malfadado discurso dirigido a eleitores concentrados na avenida Paulista, no domingo passado (21), Bolsonaro não se limitou a anunciar que pretende usar um bem público para retaliar a liberdade de imprensa. Referindo-se a adversários políticos, anunciou uma outra ambição: “Vocês verão umas Forças Armadas altiva (sic), que estarão colaborando com o futuro do Brasil. Vocês, petralhada, verão uma polícia civil e militar, com retaguarda jurídica pra fazer valer a lei no lombo de vocês.”

Vamos ver: 1) a cúpula das Forças Armadas ficou alarmada com a fala; 2) as polícias civil e militar já dispõem de retaguarda para prevenir, investigar e reprimir crimes, mas não têm licença para escolher alvos políticos; 3) por ora, deixarei de lado a apropriação indébita do vocábulo “petralhada”. Voltarei oportunamente ao tema.

Esse tipo de pregação está incentivando toda sorte de psicopatas e sociopatas nas redes sociais, que alardeiam teorias conspiratórias as mais disparatadas e paranoicas. As Forças Armadas temem que os mais exaltados se sintam estimulados a enfrentar no braço ou à bala divergências do cotidiano, ideológicas ou não. Esperam, até agora inutilmente, por uma palavra de pacificação. O Ministério Público Federal precisa decidir se é conivente ou covarde. Na era do mimetismo ideológico, esse negócio começa prometendo faxinar os adversários e pode passar pelo envio de bombas aos maus brasileiros.

“E o tal ‘bem ao país’ lá do primeiro parágrafo, Reinaldo? Até agora, não vi nada”. Ainda é pensamento incipiente também na cabeça deste articulista, leitor. O PT desmoralizou tantas reputações ao longo de sua história que quase não sobrou a quem recorrer. Talvez a esquerda saia mais assustada, sim, desse processo, mas também mais civilizada. Como é mesmo? Então FHC e os tucanos d’antanho, em fase de extinção naquela configuração ideológica ao menos, não eram a “herança maldita”, a expressão da “direita reacionária” ou um instrumento das elites para esmagar o povo!? Com alguma sorte, vão se esvanecer algumas ilusões redentoras.

Do outro lado, há a possibilidade de que as necessidades do mundo real se imponham a Bolsonaro e domestiquem o populismo reacionário e truculento. Chegando vivos à terceira margem do rio, teremos nos livrado, nessa remota hipótese virtuosa, de duas concepções autoritárias de poder, uma delas escancaradamente fascistoide. É a porta estreita de São Lucas.

Folha

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