Os tiros no pé. Por Merval Pereira – Heron Cid
Bastidores

Os tiros no pé. Por Merval Pereira

25 de outubro de 2018 às 10h00

Essa eleição é tão atípica que os disputantes do segundo turno, além de terem índices de rejeição semelhantemente altos, vivem às voltas com problemas que seus próprios aliados ou seguidores criam.

São campanhas desorganizadas, a do PT pela fragilidade das posições que foram mudando ao longo da campanha de maneira patética, até fazer desaparecer por completo a cara do ex-presidente Lula. A de Bolsonaro, por soberba, pois já se consideram dentro do Palácio do Planalto.

Os candidatos têm que se haver também com seus passados políticos, Haddad não exatamente com o seu, que é escasso, mas com o do PT. Aceitando o papel de poste de Lula, levou consigo toda a rejeição ao próprio Lula e ao PT, e não tem luz própria para compensar essas perdas.

Já Bolsonaro está sempre às voltas com suas declarações, passadas e presentes.  Impossível esquecer que ele se declarou a favor da tortura, que elogiou o torturador Brilhante Ulstra, que disse que não estupraria a deputada Maria do Rosário porque ela não merecia.

Não faz sentido para um político que busca a presidência da República pelo voto direto defender a ditadura militar. Assim como o PT teria que fazer o mea culpa para tentar se recolocar no cenário político, livrando-se dos erros do passado, também Bolsonaro deveria ter formalmente renegado suas palavras, para ganhar governabilidade e uma imagem externa não tão degradante quanto a que os grandes meios de comunicação internacionais divulgam.

Mas o PT não pode admitir que houve grande roubalheira sob seus auspícios porque, além de perder a narrativa política, teria que abandonar Lula à sua própria sorte. Já Bolsonaro perderia uma parte ponderável de seus apoiadores, especialmente entre os seus companheiros militares.

Por isso estão sempre às voltas com fogo amigo, com militantes sendo incentivados a atos radicais pela retórica agressiva de seus líderes. Bolsonaro continua às voltas com as frases irresponsáveis de seu filho, e com reflexos da própria linguagem desabrida.

Defender que os “vermelhos” sejam expulsos do país se não se enquadrarem às decisões da maioria não indica um presidente democrático. Nem o conceito várias vezes defendido de que as minorias têm que se submeter à maioria. Defender a extinção da Folha de S. Paulo, ou não aceitar críticas dos meios de comunicação, é incentivo a atitudes violentas de seguidores, como as ameaças que jornalistas da Folha estão sofrendo devido à reportagem, repito, inconclusiva, sobre o uso ilegal do WahtsApp.

Mesmo que tenha razão quando disse que não podia ser responsabilizado por ações de terceiros, a respeito do assassinato de um capoeirista em Salvador por discussão política, Bolsonaro tem a responsabilidade da liderança. Assim como Haddad, que criticou Bolsonaro por esquivar-se da responsabilidade, não pode ser culpado pela  tentativa de assassinato contra Bolsonaro, e nem pela automutilação, segundo a Polícia Civil do Rio Grande do Sul, de uma mulher que acusou falsamente bolsonaristas de marca-la à faca em aeu corpo a suástica.

Essa fake news é apenas uma das muitas que, nos últimos dias, abalaram o discurso do PT, a mais grave a acusação de ter sido torturador, feita por Haddad ao vice de Bolsonaro, General Mourão,. Sem que Haddad se desculpasse, como pelo menos fez o cantor Geraldo Azevedo, origem da denúncia falsa.

Os tiros no próprio pé que a campanha petista sofreu nos últimos dias mostram como bateu o desespero. Primeiro foi o senador eleito e ex-governador do Ceará Cid Gomes que, chamado a falar em uma solenidade em favor de Haddad, acabou revelando todo seu constrangimento. O que seria uma homenagem, foi o estopim de um desabafo.

Entre outras coisas, disse que se o PT não fizer um mea culpa, será “bem feito perder a eleição”. Ao ouvir a reação de um petista, ele emendou: “Pois tu vai perder a eleição. (…) É bem feito perder a eleição!”. Quando os militantes começaram a cantar o nome de Lula, Cid não se conteve: “Lula tá preso, babaca. Tá preso”.

Já na terça-feira à noite, nos Arcos da Lapa, uma reunião de artistas com a presença de Haddad teve no rapper Mano Brown seu ponto alto, embora negativo para o PT. Na mesma linha de Cid Gomes, Mano Brown disse que se o PT “não conseguiu falar a língua do povo, tem que perder mesmo”.

Depois de criticar o ambiente festivo, advertiu o rapper: “Tá tendo quase 30 milhões de votos pra tirar. Não estou pessimista. Sou realista. Está perdido mesmo”.

O Globo

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