Bolsonaro não é Trump, a alma de sua retórica está nas Filipinas. Por Elio Gaspari – Heron Cid
Bastidores

Bolsonaro não é Trump, a alma de sua retórica está nas Filipinas. Por Elio Gaspari

17 de outubro de 2018 às 11h00

Comparar Jair Bolsonaro a Donald Trump pode ser até chique, mas é o mesmo que viver na Barra da Tijuca pensando que se está em Miami. A alma da retórica do capitão está bem mais longe, nas Filipinas. Seu presidente chama-se Rodrigo Duterte, prometeu reformas econômicas e celebrizou-se pela política de combate à criminalidade, sobretudo ao tráfico de drogas.

Visitando o quartel do Batalhão de Operações Especiais da PM do Rio, Bolsonaro disse à tropa que “podem ter certeza, chegando (à Presidência), teremos um dos nossos lá em Brasília”. Em seguida, deu o grito de guerra da corporação: “Caveira!”

Comparado com Duterte, Bolsonaro é uma freira, pois o presidente filipino vai além: “Hitler matou 3 milhões de judeus. Temos 3 milhões de viciados, eu gostaria de matá-los”. Está cumprindo. Em dois anos de governo morreram 4.500 pessoas segundo as estatísticas oficiais e 12 mil, segundo organizações da sociedade civil.

Como Bolsonaro e Donald Trump, Duterte manipula sua incontinência verbal. Põe na roda a mãe de quem o desagrada, do papa ao ex-presidente Barack Obama. Quando uma missionária australiana foi morta e estuprada, ele disse que lastimava o crime porque ela “era tão bonita, foi um desperdício”. Em alguns casos desculpou-se.

Aos 75 anos, tem o cabelo curto e negro de tintura, gosta de andar de motocicleta, teve um divórcio agreste, propala sua virilidade e as virtudes da pílula azul. Ele diz que “meu único pecado são os assassinatos extrajudiciais”.

O nome desse jogo é “Esquadrão da Morte”, coisa conhecida nas Filipinas e no Brasil. O de cá brilhou durante o governo de Juscelino Kubitschek, glamourizado pela imprensa com o nome de “Homens de Ouro”. Chefiava a polícia do Rio de Janeiro o general Amaury Kruel. Anos depois seus colegas de tropa disseminavam histórias comprometedoras sobre sua honorabilidade.

Mais tarde surgiu a “Scuderie Le Cocq”, cujo símbolo era uma caveira. Seu presidente era o detetive Euclides Nascimento. Em 1971, ele comandava também uma quadrilha de contrabandistas à qual anexou-se o capitão Ailton Guimarães Jorge, com subalternos que estiveram lotados no DOI do 1º Exército. Em São Paulo, a estrela do “Esquadrão” era o delegado Sérgio Fleury, o matador de Carlos Marighella. As patrulhas de Fleury, como as de Duterte, penduravam cartazes em traficantes mortos. Faltava dizer que eram bandidos de quadrilhas rivais.

Se “execuções extrajudiciais” fossem remédio, o Brasil seria uma Dinamarca. Em 1970, uma pesquisa realizada no Rio e em São Paulo mostrou que 46% dos entrevistados estavam a favor do “Esquadrão”.

Há uns 20 anos, quando surgiram as primeiras milícias nas cidades brasileiras houve quem achasse que elas eram remédio contra o crime. Passou o tempo e os problemas agora são dois: o crime e as milícias. A ideia do combate aos bandidos partindo da suposição de que “direitos humanos” não devem ser confundidos com “direitos dos manos” (palavras de Jair Bolsonaro) pode estatizar algumas “boas” milícias.

Em dezembro de 1993, quando a polícia colombiana botou para quebrar no combate aos bandidos e conseguiu matar o traficante Pablo Escobar, símbolo do narcotráfico latino-americano, os louros da vitória foram para o presidente César Gaviria. Conhecendo a questão da violência e do tráfico, no ano passado ele escreveu um artigo intitulado “O presidente Duterte está repetindo meus erros”.

O filipino respondeu: “Isso só seria possível seu eu fosse um idiota, como você”. A popularidade de Duterte está em 75%. Vive-se melhor na Colômbia.

Folha

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